A enfermeira Maria Angélica de Carvalho Sobrinho, de 53 anos, contava os dias para receber a segunda dose do imunizante contra o coronavírus quando os primeiros sintomas da infecção surgiram. Ela, a primeira pessoa vacinada contra Covid-19 na Bahia, no dia 19 de janeiro, precisou ser internada no Instituto Couto Maia, em Salvador. O quadro clínico é estável, mas, com falta de ar, a enfermeira tem auxílio de oxigênio externo para respirar.
Maria começou a sentir-se mal em 12 de fevereiro, quatro dias antes da previsão de receber a segunda dose da Coronavac. O intervalo entre a primeira e segunda aplicação varia de duas a quatro semanas.
Esse não é o único caso de paciente que, depois de receber a primeira dose da vacina, é infectado pelo coronavírus na Bahia. Ainda neste mês, no dia 10, três idosos que viviam num abrigo em Nazaré das Farinhas, no Recôncavo Baiano, morreram vítimas da Covid-19, mesmo tendo recebido a primeira dose do imunizante pouco menos de duas semanas antes.
ENTENDA COMO É POSSÍVEL
O infectologista Carlos Brites, referência em pesquisas sobre doenças infecciosas e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que a infecção pelo coronavírus entre aqueles que receberam a primeira dose da vacina é justificável cientificamente.
– A primeira dose até pode dar algum grau de proteção a alguns indivíduos, mas não protege de fato. É necessária a segunda dose para reforçar a resposta. Dizer isso é superimportante, porque a maior parte das vacinas no nosso horizonte funcionam assim – explicou.
Isso acontece porque há um tempo para que o corpo comece a produzir anticorpos e existe, claro, a variedade de respostas imunológicas.
– Uma resposta imunológica mais robusta, de forma geral, só com a segunda dose – frisou Brites.
A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) respondeu à reportagem dizendo que não possui levantamento de quantos são os casos de Covid-19 entre pessoas que receberam a primeira dose da Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e produzido pelo Instituto Butantan, no Brasil. O imunizante tem eficácia geral de 50,38%. Ou seja, o risco de uma pessoa imunizada contrair o coronavírus é reduzido pela metade. Segundo os estudos divulgados até o momento, no entanto, a vacina previne 100% de casos graves e mortes provocados pela doença.
Na Bahia, 447.980 doses da vacina foram distribuídas (47,9% na aplicação da segunda dose) até a manhã desta quinta-feira (25) – mostra boletim da Sesab. O receio, conta o infectologista Carlos Brites, é “essa sensação de que o problema estaria resolvido”, trazido pela vacina, mesmo para quem sequer recebeu a primeira dose.
– Tem um relaxamento geral. Mas essa perspectiva de vacinação para a população em geral, se permanecer nesse ritmo, é demorada, entre quatro, cinco anos, as pesquisas mostram – disse.
CUIDADOS NECESSÁRIOS
Os cuidados dos vacinados, na verdade, devem permanecer os mesmos que o dos não vacinados, como uso de máscara, distanciamento ou isolamento social e higienização constante das mãos, afirmou o infectologista. A recomendação vale para até depois da segunda dose, principalmente com o avanço de novas variantes no Brasil.
O Laboratório Central da Bahia (Lacen) identificou no estado, em quase um ano de pandemia, 13 linhagens diferentes do coronavírus – entre elas, as variantes de Manaus, a do Reino Unido e a do Peru, descoberta no estado na última terça (23). Ainda não há nenhuma garantia, falou Brites, de que as vacinas elaboradas com base na primeira cepa do vírus sejam capazes de produzir respostas imunológicas eficazes também contra as variantes do coronavírus.
– Esses mutantes podem fugir das vacinas contra o coronavírus – ressaltou.
A empresa americana de biotecnologia Moderna, por exemplo, anunciou nesta quarta-feira (24), que estava pronta para iniciar os testes em humanos da vacina elaborada especificamente para a variante detectada na África do Sul. A 501Y.V2, considerada uma das mais perigosas pelos cientistas, pelo poder de escapar dos bloqueios de anticorpos, é “neutralizada” pela vacina da Moderna, mas a empresa disse que criou uma nova estratégia, “por precaução”.
*Estadão
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