Com isso, vale o que está no Código Penal, em vigor desde 1940, que não estabelece qualquer limite de tempo para fazer aborto nas condições previstas em lei.
A decisão do ministério não amplia as situações em que é permitido o aborto legal. Ela é direcionada apenas aos casos em que não é crime fazer aborto. Pela legislação em vigor, o aborto é liberado quando:
- a gravidez colocar em risco a vida da gestante;
- a gravidez for resultado de estupro.
Além disso, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), também não é crime fazer aborto em caso de anencefalia fetal, ou seja, má formação do cérebro do feto – e tampouco há prazo máximo estabelecido para isso.
“Se o legislador brasileiro ao permitir o aborto, nas hipóteses descritas no artigo 128 não impôs qualquer limite temporal para a sua realização, não cabe aos serviços de saúde limitar a interpretação desse direito, especialmente quando a própria literatura/ciência internacional não estabelece limite.” — Ministério da Saúde em nota técnica publicada na quarta (28).
A pasta afirma ainda que, por essa razão, cabe aos serviços de saúde o “dever de garantir esse direito de forma segura, íntegra e digna oferecendo devido cuidado às pessoas que buscam o acesso a esses serviços” e que não pode ser imposta qualquer limitação, senão as que estiverem previstas pela “Constituição, pela lei, por decisões judiciais e orientações científicas internacionalmente reconhecidas”.
O documento é assinado pelo secretário de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço de Oliveira, e pelo secretário de Atenção Especializada à Saúde, Helvécio Miranda Magalhães Junior.
Orientação anterior
A recomendação do governo Bolsonaro era a de que o aborto legal fosse feito até 21 semanas e 6 dias de gestação. O argumento era que, a partir daí, haveria “viabilidade do feto” de sobreviver e não seria mais um aborto, mas parto prematuro.
Essa orientação criou situações como a da menina de Santa Catarina de 11 anos estuprada que descobriu que estava grávida com 22 semanas. Inicialmente, ela foi impedida de fazer o aborto.
Na nota publicada nesta quarta, o Ministério da Saúde ressalta, no entanto, que “a viabilidade é um conceito dinâmico/mutável” e que a interpretação pode variar “de acordo com as características individuais e regionais”, o que torna incompatível a fixação de um prazo certo inicial e/ou final para se garantir o direito ao aborto legal.
A pasta afirma ainda que obrigar a gestante a manter a gravidez mesmo tendo direito ao aborto legal “configura ato de tortura/violência física e/ou psicológica, tratamento desumano e/ou degradante, sobretudo às vítimas de violência sexual”.
O documento também anulou a cartilha “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento”, que dizia que “todo aborto é crime” e defendia que houvesse investigação policial.
Vale lembrar que a gravidez decorrente de estupro engloba todos os casos de violência sexual, ou seja, qualquer situação em que um ato sexual não foi consentido, mesmo que não ocorra agressão. Isso inclui, por exemplo, relações sexuais nas quais o parceiro retira o preservativo sem a concordância da mulher.
Direitos reprodutivos
Referência nas discussões sobre direitos reprodutivos, a antropóloga e professora na Universidade de Brasília Débora Diniz diz que a medida do governo é o reconhecimento da “ciência médica básica”.
Ela pondera ainda que, “dada a dificuldade de se tratar o tema do cuidado em interrupção da gestação como uma política de saúde baseada evidências, pois é sequestrada por ideologias fanáticas, o documento é uma tentativa de resumir práticas, modelos e procedimentos de cuidado”.
Ela acrescenta que, “em uma ordem social em que o aborto fosse um cuidado de saúde (como qualquer outro) em particular para meninas em risco de vida após um estupro, esta nota técnica sequer seria necessária”.
Fonte: G1
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