Lula quer controlar as redes sociais


Escrevo sob a sombra do PL 2.630, com o qual o governo Lula pretende obter o controle sobre o que se posta nas redes sociais. No fim, superadas as discussões técnicas e os detalhes, é disso que trata o projeto.

A boa notícia que o início de semana nos traz é que o risco de aprovação do projeto aparenta ser declinante. Placares informais dos votos dos parlamentares apontam para a rejeição do projeto. O mais provável é que não seja colocado em votação diante das chances de rejeição.

Favoráveis ao projeto estão apenas o PT, partidos satélites e outros partidos que se aproximam sempre de qualquer governo. Como o PT não vê qualquer problema em ditaduras como Cuba, Venezuela e Nicarágua, é natural que não tenha óbices ao PL 2.630.

Faço aqui uma confissão. Gostaria muito de só ler coisas boas nas redes sociais. Seria um sonho não ver nelas postagens agressivas ou grosseiras e poder confiar em tudo o que nelas se posta. Se elas fossem uma fonte dinâmica de informação verdadeira e confiável, seria o melhor dos mundos. Aliás, desde 2014, sou uma das principais vítimas de fake news espalhadas pelo PT e por seus aliados. A lista é gigantesca, passando do negacionismo da corrupção na Petrobras às acusações falsas de ligações com a CIA ou o governo norte-americano. Apesar disso, mesmo quando ocupava a posição de ministro da Justiça, jamais defendi conceder ao governo que integrava um poder de censura sobre as redes.

Desde 2014, sou uma das principais vítimas de fake news espalhadas pelo PT e por seus aliados. A lista é gigantesca

Não discordo de que as redes sociais precisam de alguma regulação. Há uma disputa comercial entre elas e a imprensa. O jornalismo profissional se ressente de produzir material e nada receber financeiramente por sua veiculação nas redes sociais ou na internet. Há bons argumentos para ambos os lados e defendo que a questão seja debatida em projeto de lei próprio e específico para que ela não seja contaminada pelo debate sobre a censura nas redes sociais.

Discordo da utilização das redes sociais para disseminar pornografia infanto-juvenil, veicular ameaças ilegais e golpes financeiros ou incitar a prática de violência. Com falhas, as redes sociais já atuam para excluir conteúdos da espécie e reputo razoável que a lei preveja mecanismos para garantir que sejam excluídos. Em relação a este tipo de postagem, é mais improvável termos divergências quanto à sua caracterização como impróprio ou mesmo para reconhecê-lo.

Já ofensas, calúnias e difamações são um problema nas redes, mas essas condutas são criminosas e a legislação penal já as trata como crimes, sendo de se questionar a necessidade de regras especiais aplicáveis às redes sociais.

Também sou favorável à ampla transparência das redes sociais. Conteúdo promovido ou patrocinado deve ser identificado. Contas automatizadas, inautênticas ou mecanismos artificiais de disseminação deveriam ser suprimidos ou completamente identificados. As regras de automoderação e autocontrole já utilizadas pelas plataformas deveriam ser publicizadas e deve haver mecanismos que promovessem a transparência de sua aplicação. Às plataformas ainda deveriam ser impostas regras que garantissem o espaço para o livre debate público, com respeito à pluralidade de opiniões e com a proibição de concessão de vantagens a conteúdos por motivos político-partidários ou por preferências ideológicas. Nesses aspectos, o PL 2.630 é bem falho.

Mas o grande problema é a pretensão do PL 2.630 de retirar das redes sociais as assim denominadas fake news, ainda que a pretexto de proteger a democracia e o debate público. Em última análise, alguém terá de ser encarregado de definir se uma informação divulgada na rede é ou não verdadeira. O PL 2.630 pretendia resolver isso criando uma misteriosa “entidade autônoma de supervisão” vinculada ao governo, com a atribuição de vigiar as redes sociais e as grandes plataformas. Diante de uma reação negativa da sociedade, o relator do projeto, na última versão, suprimiu o artigo que criava tal entidade. Ao incauto, o problema pode parecer superado, mas na prática o projeto tem um sujeito oculto e indefinido ao qual caberá a tarefa de censurar as redes sociais. Quem será ele? Nem o relator sabe dizer, o que já diz muito sobre o açodamento e a falta de ténica da proposta.

Nenhum governo é confiável para dizer o que é verdade e o que é mentira. Para isso não cabe solução fácil, não existe uma solução milagrosa ou um Deus ex machina. Essa tarefa cabe a cada um, a nós mesmos

Temos um presidente da República campeão em produzir fake news. Destaco apenas algumas pérolas mais recentes. Segundo ele: a Ucrânia é tão culpada pela guerra como a Rússia; os Estados Unidos e a União Europeia incentivam a guerra ao ajudar a Ucrânia a se defender; Cuba, Venezuela e Nicarágua não são ditaduras e a primeira é um paraíso social; os Estados Unidos fomentaram a Lava Jato no Brasil pois as empresas brasileiras estavam ficando competitivas internacionalmente; o autor deste artigo teria ligações com a CIA ou com o FBI e teria “armado” um plano do PCC para figurar como vítima de um sequestro. Pois bem, este mesmo presidente quer criar um órgão vinculado ao seu governo ao qual caberá o poder de dizer o que é verdade e o que é mentira. Dá para confiar? Eu diria que não, que esse governo com um histórico vinculado a tentativas autoritárias de controlar a imprensa – recordemos da tentativa frustrada de criação do Conselho Federal de Jornalismo – não é confiável.

A questão, porém, é ainda mais profunda: nenhum governo é confiável para dizer o que é verdade e o que é mentira. Para isso não cabe solução fácil, não existe uma solução milagrosa ou um Deus ex machina. Essa tarefa cabe a cada um, a nós mesmos. A melhor solução encontrada pela humanidade, em jogo de tentativa e erro, foi o livre intercâmbio de ideias, sem censura estatal, por meio do qual as informações e opiniões puderam ser testadas no grande palco da humanidade e aquelas ruins ou falsas, como a teoria de que o Sol girava em torno da Terra ou de que o comunismo traria liberdade e igualdade para todos, foram jogadas fora. Agora, está na hora de jogar fora o PL 2.630 e sepultar em definitivo a ideia falsa e autoritária de que o governo deve ter algum papel em dizer o que é verdade ou mentira nas redes sociais, na imprensa ou em qualquer meio de comunicação.

Fonte: Sérgio Moro / Gazeta do Povo

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