Polícia investiga perfis de Youtube e Facebook com clipes que exaltam facções criminosas no Ceará

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Basta uma simples pesquisa em sites como Youtube ou Facebook para se deparar com dezenas de músicas que exaltam facções criminosas com atuação no Ceará. Em sua maioria funks, as canções divulgadas por canais como “Som das Favelas Cearenses” e “GB do Trem Balla” fazem menção a armamentos de grande poder de fogo, práticas criminosas, territórios nos quais os grupos agem, não se furtando nem mesmo a citar os nomes dos integrantes.

“A boca vendendo à vera e na favela ninguém rouba / O patrão é o irmão Gordim lá do Parque Santa Rosa / Na contenção o Abraão portando um AK trovão / O Felipe tá com um G3 que sai só do rajadão / Porque se eles tentar [sic] subir o Bruno faz descer”, afirma a música, em menção à facção conhecida como Guardiões do Estado (GDE).

Confira a música na íntegra:

Não é só a “Guardiões do Estado” que não faz questão de esconder informações do tipo. Há outra, em nome do Primeiro Comando da Capital (PCC), listando integrantes da quadrilha que teriam atuações em bairros como Antônio Bezerra, Álvaro Weyne, Santa Fé, Olavo Oliveira, Itaperi, José Walter, Pirambu, Conjunto Ceará, Siqueira, Iparana (Caucaia), Mondubim, São Benedito, Aerolândia, Carlito Pamplona, Bom Jardim, Russas, Barroso e Vila Velha

“Fornecendo os armamentos lá vem o mano Cocão / […] Não posso esquecer dos irmãos que tão no comando / Tem o Cigarro, o Silas o e Cigano”, chega a constar as músicas.

Ouça na íntegra:
O fenômeno acompanha o avanço das facções criminosas no Ceará. No fim de 2015, começou a circular em redes sociais um vídeo em que homens encapuzados empunhavam armas de alto poder de fogo. Às suas costas, pichações em uma parede: “CVRL-CE”, “Só qualidade!”, “Comando Vermelho PJL”.

Esta última é uma sigla do lema do grupo Paz, Justiça e Liberdade. O vídeo era embalado por um funk que anunciava que o “CV dominou o Ceará”. O frente — isso é, o articulador da quadrilha no Estado — era o “irmão” Amarelo.

Amarelo é José Glauberto Teixeira do Nascimento, condenado por tráfico de drogas, roubo e sequestro. Em abril de 2016, ele foi transferido para o Presídio Federal de Catanduvas (PR), pela sua grande capacidade de articulação, conforme divulgou à época a Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus).

Ameaça a deputado

O Tribuna do Ceará já havia mostrado outros funks do gênero. Em março de 2016, funk ameaçava o deputado federal Vitor Valim (PMDB), que havia apresentado projeto de lei determinando instalação em presídios de bloqueadores de sinal de celular. Já em janeiro daquele ano, o Tribuna do Ceará mostrava uma música que listava vários traficantes que atuariam no Bairro Bom Jardim.

De acordo com um dos responsáveis pelos canais no Youtube que publica músicas, as canções já chegam prontas a ele, que só divulga. Ele, que terá a identidade preservada, diz não conhecer os autores das músicas.

É o que também fala o autor de um outro canal que também divulga as músicas. Ele conta ter recebido as primeiras músicas por meio de amigos no momento em que criou o canal e depois passou a receber de desconhecidos. “Vários canais divulgam as músicas para ganhar visualizações. Não vou mentir: até que ganham”, afirma ele, que também pediu para ter a identidade preservada.

Jabá para a divulgação

O Tribuna do Ceará apurou que um dos canais cobra a partir de R$ 50 para divulgar as músicas. “Sempre teve esse meio de divulgação. Mas depois que surgiram essas facções no Ceará, a divulgação cresceu mais”, afirma uma das fontes, que ressalta publicar funks de várias temáticas, não só sobre facções.

Nenhuma das fontes ouvidas pelo Tribuna do Ceará diz já ter tido vídeo excluído por violar as regras do Youtube.

Investigação

“A Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) já tem conhecimento das músicas e de suas mensagens de apologia ao crime, e está realizando levantamentos acerca dos fatos para tomar as medidas cabíveis”, afirma, em nota à imprensa, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).

A pasta ainda afirma que a Polícia Civil investiga “qualquer informação ou material sobre atos delituosos, que chegam ao conhecimento dos agentes de segurança, sem descartar nenhuma possibilidade”, continua a nota.

O fenômeno já havia sido observado pela Polícia Militar, constatou o jornalista e sociólogo Ricardo Moura, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC). Em sua tese de doutorado, “Confiança, conhecimento e poder: análise das atividades de inteligência na PM do Ceará”, ele mostra relatos de policiais militares do Serviço Reservado que costumam ouvir as músicas.

“Segundo Felipe, os policiais colocaram o pendrive no carro para ouvir ‘música de bandido’ a fim de se ‘inteirar’ daquele universo”, escreve Ricardo Moura, referindo-se a um PM protegido por um pseudônimo.

Outro PM da inteligência disse o mesmo a Ricardo Moura. O policial falava da importância das apreensões de celulares para pesquisas nos Whatsapps dos suspeitos, ricos em informações sobre o mundo da criminalidade. O compartilhamento das músicas também é muito comum por meio do aplicativo.

“Ele [o policial] cita como exemplo um rap que enumeraria os nomes de diversos traficantes de Fortaleza, prova de que estaria havendo uma espécie de articulação entre eles”, relata Ricardo Moura.

Detalhes da atuação

Pouco se foi divulgado sobre a facção Guardiões do Estado, a maior nascida no Ceará, de forma que os funks indicam algumas características do grupo.

Em um deles, afirma-se que a facção foi fundada em 2006. Já em outro, é remixado uma fala de um apresentador de programa policial, afirmando que a facção foi fundada no Conjunto Palmeiras. Um terceiro funk diz que a facção teve um estatuto criado em reunião entre líderes da facção, ocorrida em 1º de janeiro de 2016.

Outra informação cantada é a da determinação de “proibir” assaltos e furtos contra moradores de áreas em que o grupo atua. “Se for para meter fita, não pode ser coisa feia / Porque roubar morador é caixão e vela preta”, exemplifica uma das canções.

Ainda uma outra que fala uma suposta orientações social da facção: “A felicidade é ver os morador contentes / Porque nós tudim [sic] é gente / E ver as crianças tudo feliz”.

Também há informações sobre as regiões em que a quadrilha atua. O Tribuna do Ceará encontrou menções aos bairros Barroso, Jardim Fluminense, Presidente Vargas, a comunidade da Rosalinda, no Parque Dois Irmãos, e as cidades de Iguatu, Caucaia, Baturité, Maracanaú, Itapiúna. Esta última foi a única cidade de fora da Grande Fortaleza a registrar atentados na onda de abril último.
Reproduzido por MassapeCeara.Com|Créditos: Tribuna do Ceará


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